A esperança na caixa de Pandora

Notícia do jornal Estadão

“Pandora Papers” é nome do maior vazamento de informações sobre ativos em centros offshore. Mais de trezentas personalidades políticas tiveram suas aplicações divulgadas. A lista inclui altos cargos executivos de governos, de quase cem países diferentes. O nome da operação vem da caixa de Pandora, da mitologia grega. Quando aberta, saem dela males, como doenças e mentiras, que vão afligir a humanidade. Deve ter sido a inspiração, pois os documentos divulgados mostram desvios de conduta. Todavia, no mito, no interior da caixa fica a esperança. É o que poderia acontecer, a esperança de ajustes na política cambial brasileira.

Os “Pandora Papers” vão ser debatidos no Congresso Nacional. Para tanto, foram convocados os dois condutores mais importantes da economia brasileira. O esperado é que sejam criticados por lucrarem com a desvalorização e que eles justifiquem suas aplicações em offshores. O que fizeram é legal e foi declarado.

O razoável é antecipar uma reunião com muito barulho e sem grandes consequências.A esperança é que os dois cidadãos e o Congresso apontem ajustes na política cambial. Pode ser aprimorada. Neste governo, em média o câmbio se depreciou mais do que o dobro da inflação, mas com alta volatilidade, a diferença entre o máximo e o mínimo foi de 62,6%.

A incerteza cambial produz impactos adversos na agricultura, no turismo, na indústria, no comércio, na inflação e na imagem do governo, uma vez que a depreciação cambial é um termômetro da confiança na condução da economia. Há mais: depósitos no exterior dão empregos a estrangeiros, quando podiam gerar ocupações aqui.

Quatro temas podem ser debatidos no Congresso: I. Contas em dólar aqui, II. A atuação no câmbio do Banco Central, III.A tributação de operações em divisas e IV. A criação de uma offshore no Brasil.

I. A proibição de contas em divisas é anacrônica. É possível ter uma em dólar em um banco brasileiro no exterior, mas aqui não é. Autorizando contas em dólares, em bancos no Brasil, daria mais estabilidade ao câmbio, mais eficiência ao mercado de divisas, permitiria um hedge natural para empresas e não vai dolarizar a economia. Haveria um ganho fiscal e um prudencial.

II. Outro tema é a atuação do Banco Central no mercado de divisas. Mudando a atuação da autoridade monetária para um regime de banda cambial móvel, atuando no mercado à vista. Arrefeceria a volatilidade e daria mais previsibilidade à cotação do dólar.

III. Outra medida é tributar as operações do mercado futuro. Está hipertrofiado. Deveria servir como suporte ao mercado à vista, mas é o determinante das cotações. O IOF em aplicações de curtíssimo prazo teria a função do imposto Tobin para estabilizar a cotação do dólar.

IV. O quarto tema é a proposta de criação de uma offshore no Brasil. É uma jurisdição com tributação baixa ou nula, com uso de divisas de vários países eserviços financeiros especializados. A grande maioria das operações é motivada por vantagens tributárias, diversificação de carteiras, facilidades para transferências, segurança jurídica, agilidade e simplicidade de normas.

Num dos centros, as Ilhas Cayman, mais de vinte bancos do Brasil têm agências e ou subsidiárias, com oconhecimento do Banco Central.Há mais de meia centena de paraísos fiscais no mundo.

O Brasil poderia ter um, com características especiais e operações semelhantes às dos demais centros offshore.Seria uma “Zona Franca Financeira”, com legislação, tributação e regulamentação semelhantes às de outros centrosoffshores existentes, com uma estrutura prudencial e solução de conflitos em outros foros jurídicos internacionais.

Não se está propondo mudar em nada a atual regulamentação e a tributação do SFN – Sistema Financeiro Nacional e nem a criação de um centro financeiro internacional. Mas, sim, a formação de um “apêndice” com outro marco institucional. A sugestão é de que seja no centro velho de São Paulo. Seria uma versão brasileira do que é feito em Hong Kong e em Londres. O território pode ser de alguns quarteirões apenas.

São Paulo tem tudo o que é necessário para se tornar um centro financeiro offshore: infraestrutura física, prédios para escritórios, mão de obra especializada, escritórios de advocacia, classificadoras de risco, suporte tecnológico e serviços de apoio. Também, poderia ser o embrião de São Paulo, como centro financeiro internacional, como Nova Iorque, Frankfurt e Shanghai.

Atualmente, empresas e cidadãos brasileiros têm aplicações declaradas no exterior de cerca de 400 bilhões de dólares. É razoável supor que uma fração desse total fosse aplicada na jurisdição a ser criada aqui, ao que pode adicionar-se parte das operações de comércio exterior brasileiro, bem como a atração de transações oriundas de outros países. Os benefícios seriam consideráveis.

Há mais ajustes a serem feitos na política econômica. Todavia, o que se propõe para o câmbio teria efeitos positivos no investimento, no emprego, na redução da inflação e na imagem do governo.

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