Estímulos do crédito
Roberto Luis Troster
A trajetória do PIB nos próximos anos desassossega: depressão, recessão, estagnação, recuperação ou retomada? As projeções divergem. Algumas preveem recessão e estagnação, outras estagnação e recuperação tímida. Nenhuma aponta para uma retomada. Apesar de que é possível, com estímulos do crédito, acompanhados de outras medidas. O ocorrido de 2004 a 2008 ilustra.
Naquele quinquênio, o PIB teve sua maior expansão, desde o Plano Real. Foi o crescimento mais alto do PIB industrial e o de serviços, superiores ao da agropecuária. Alguns fatores explicam esse desempenho, o mais importante foi o crédito. Em cinco anos, o saldo total nominal se expandiu 195,0%, se deflacionado, em 126,4%.
Essa expansão do crédito se deveu a avanços como: a Câmara para Assuntos de Administração de Riscos (2001), o FIDC (2001), o SPB – Sistema de Pagamentos Brasileiro (2002), o crédito consignado e sua parametrização (2003), a célula de crédito bancário (2004), a lei de falências (2005) e outras ações para tornar a intermediação financeira mais eficiente. Todas as iniciativas foram originadas em São Paulo.
O efeito foi positivo na arrecadação tributária, nos lucros das empresas e dos bancos, no investimento, no consumo e no emprego. Pode-se fazer algo semelhante, agora. A relação crédito/PIB está na metade de seu potencial, de acordo com o Banco Mundial. Uma mudança no paradigma da intermediação faria diferença. Surpreende a insistência em medidas pouco eficazes e, como consequência, o desempenho da intermediação, aquém do potencial.
Um exemplo é o diagnóstico de que é falta de competitividade que pressiona as margens (spreads) dos financiamentos. É o mesmo usado há uma década, na “Cruzada do crédito”, em que os bancos estatais pressionariam as margens do sistema. Custou ao país dezenas de bilhões de reais e apresentou resultados pífios. Atualmente, há um encantamento com os bancos digitais.
A palavra evoca eficiência e conveniência. É um desejo de todos. Geralmente é contraposta a tradicional, associada a ineficiências – burocracia e custos elevados. Os autodenominados digitais fazem apelo à idéia de mais concorrência no sistema, o que levaria a margens menores e a uma oferta de crédito maior.
Para analisar o desempenho dos bancos digitais, foram escolhidos cinco. O critério de seleção foram reportagens em que aparecem como os melhores bancos digitais do Brasil de 2021 em todas as listas pesquisadas. Esses cinco são comparados com os cinco maiores bancos do sistema.
Cada instituição é diferente das demais. Tem sua equipe, seu modelo de negócios e uma estratégia que a torna única. Mas a comparação dos números dos dois grupos ilustra o desempenho. Usando as informações do Banco Central do Brasil, do primeiro semestre deste ano. Na média, a receita de crédito sobre o total da carteira de crédito dos 5 bancos digitais foi 12,3% e dos 5 maiores bancos foi 5,4%, portanto, menos da metade.
Um padrão semelhante se observa analisando as perdas de crédito divididas pela carteira. A inadimplência dos 5 bancos digitais foi de 3,6% e dos 5 maiores bancos 1,1%, logo, inferior a um terço. O ponto é que os bancos digitais não contribuem nem para reduzir as taxas e nem para diminuir a inadimplência, até agora. Os números mostram que há mais a ser feito do que aumentar o número de instituições.
Outro exemplo é o Sistema Nacional de Garantias de Crédito, anunciado pelo governo. O projeto cria as Instituições Gestoras de Garantias (IGGs), por meio das quais será possível fracionar garantias. É um paralogismo afirmar que mais facilidades para o uso e a execução de garantias, sem mais protocolos, reduzirão as taxas.
Pelo contrário, podem ter o efeito perverso em alguns poucos emprestadores de elevar os juros para reduzir a inadimplência. Quanto mais altos forem, mais rapidamente o mutuário entra na armadilha da dívida e quando a garantia for executada, a inadimplência acaba e aumenta o lucro do emprestador. Sem uma parametrização do uso das garantias, seu efeito será baixo ou até negativo.
Perde-se tempo e energia em ações que contribuem pouco para a expansão do crédito. Bancos digitais, mais concorrência, fintechs, open banking e fracionamento de garantias são iniciativas positivas, mas com efeitos pífios. É necessário mais.
A agenda tem que ser expandida para melhorar a qualidade de crédito. Deve incluir a remoção do entulho inflacionário, indexação e moeda remunerada; regras de precificação, de responsabilização e de certificação, ajustes na classificação de operações (resolução 2682), na política cambial e no redesconto; normatização do cadastro positivo, da transparência e das renegociações; a defragmentação e a tributação, o mais grave.
A cunha fiscal, COFINS, CSSL, IOF, IR e adicional e PIS, dependendo da operação, destina ao governo uma parte maior de recursos dos juros do que ao emprestador. É uma visão extrativista da tributação, que torna o governo beneficiário dos juros altos. Quanto maiores, mais arrecada, no curto prazo. Mudanças na estrutura tributária da intermediação podem aumentar a arrecadação, reduzir a inadimplência e os juros, e melhorar a justiça social e as perspectivas de crescimento.
Todavia, sequer está na agenda de mudanças da intermediação. Mais grave ainda, as alíquotas do IOF no crédito e a do recolhimento compulsório, um imposto indireto, foram elevadas recentemente. Note-se que o Brasil tem os recolhimentos compulsórios mais altos do mundo e é o único país que tributa o crédito. É uma aberração.
O desempenho recente da economia é medíocre e as projeções econômicas para o futuro são anêmicas, aquém do potencial do país. O espaço para a política econômica encolheu com um cenário externo não tão promissor e um quadro interno difícil. Urge mudar a agenda. Mais do mesmo só vai ter os mesmos resultados.
Estímulos do crédito podem mudar o cenário. Depende apenas do Banco Central do Brasil e do ministério da economia. Há mais que pode e deve ser feito em outras frentes. É uma oportunidade que não deve ser desperdiçada. É isso.