SÃO PAULO e BRASÍLIA – Especialistas demonstraram preocupação com a declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o Brasil pode sair do Mercosul caso a oposição vença a eleição presidencial da Argentina, em outubro, e mude a política de abertura comercial do presidente liberal Mauricio Macri.

Na quinta-feira, em São Paulo, Guedes afirmou que se Cristina Kirchner, candidata a vice na chapa de oposição, quiser fechar a economia, "a gente sai do Mercosul".

Uma hipotética saída do Mercosul, segundo os especialistas, mancharia a imagem externa do Brasil e resultaria em percalços sentidos no dia a dia dos brasileiros – a começar pelo preço do pãozinho, que ficaria mais caro com taxações extras sobre as importações de matéria-prima da Argentina.

O motivo: o Brasil importa 50% do trigo que consome, dos quais 86% vêm da Argentina. Hoje, a matéria-prima é isenta de tarifas de importação.

– Se o Brasil sair do Mercosul, pagaremos algum tipo de alíquota para essa importação. O preço do pãozinho vai aumentar – diz Rubens Barbosa, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo).

Para Barbosa, contudo, analisar o futuro do Mercosul com base no resultado de uma eleição presidencial que ainda está longe do fim é um exercício “perigoso”.

– Não sabemos a política do futuro governo. Mesmo que a oposição ganhe e mude a direção da economia, não vamos ter um abalo forte no comércio. Temos um determinismo geográfico. Brasil e Argentina estarão sempre um ao lado do outro – disse Barbosa.

Welber Barral, sócio da consultoria Barral M Jorge, dedicada ao comércio exterior, avalia que a saída do Brasil do mercado comum com a Argentina “não é algo simples”. De acordo com o especialista, o Mercosul é fruto de 30 anos de negociações e envolve uma integração econômica para além da tarifa comercial comum entre os países membros.

– Numa vitória da oposição, o mais provável é que o governo brasileiro adote uma estratégia de flexibilizar as regras para as tarifas comerciais com países de fora do Mercosul. Atualmente, essas alíquotas são definidas em conjunto entre os quatro países membros (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai). No passado, o Uruguai já tentou, sem sucesso, mudar essas regras. Como o Brasil é o país com maior peso no bloco, é possível que consiga essa flexibilização – diz Barral.

Na quinta-feira, Guedes também minimizou o efeito para a economia brasileira da atual crise argentina. Segundo ele, "não vai ser nenhum ventinho do Sul" que vai afetar o Brasil. Mas, este ano, com a piora da economia argentina, as exportações brasileiras para o país vizinho caíram 40% até junho.

A Argentina é o terceiro maior destino das exportações brasileiras, atrás apenas de China e Estados Unidos. E é um importante comprador de produtos manufaturados e de alto valor agregado do Brasil. São exemplos automóveis, autopeças, tratores e outros. Este ano, as vendas para os argentinos já somam quase US$ 6 bilhões.

No domingo, a candidatura do peronista Alberto Fernández, que tem a ex-presidente Cristina Kirchner como vice, ficou com 47% dos votos nas eleições primárias , uma espécie de prévia da votação de 27 de outubro. A chapa do presidente Maurício Macri, de cunho liberal, ficou com 32% dos votos.

– Qualquer governo argentino deve reconhecer o Brasil como o seu principal parceiro comercial. Por isso, os líderes argentinos têm de aceitar que o Brasil está num processo de abertura econômica. Por causa da forte ligação entre os países, não vejo a Argentina se diferenciando muito do Brasil nesse quesito – diz o argentino Federico Servideo, presidente da Câmara de Comércio Argentino Brasileira (Camarbra)

Ele acredita que se Fernández for eleito presidente, ele deve moderar a visão de esquerda e protecionista após chegar ao poder.

– Provavelmente o candidato Fernández vai entender que os problemas da Argentina não se resolvem com soluções baseadas em ideologias de esquerda, nem fechando fronteiras. Espero que o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia não volte à estaca zero – diz Servideo.

Interferência no pleito argentino

Para a espanhola Lourdes Casanova, professora da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, e autora do livro "Global Latinas", de 2009, em que aborda a ascensão de empresas brasileiras, o governo Bolsonaro não deveria usar a ameaça de uma saída do bloco econômico para interferir no pleito argentino.

– Isso só piora ainda mais a imagem externa do Brasil, que vem piorando nos últimos meses – diz.

O argentino Federico Servideo, presidente da Câmara de Comércio Argentino Brasileira (Camarbra) acredita que o Mercosul não deve servir de barreira à abertura comercial pretendida pelo governo Bolsonaro. A começar porque o candidato Alberto Fernández ainda não foi claro sobre a política comercial a ser adotada caso de fato chegue à Casa Rosada.

Para Servideo, há chance de um retorno dos peronistas ao poder não representar uma repetição da política econômica dos dois mandados de Cristina Kirchner (de 2007 a 2011 e de 2011 a 2015).

No período, os argentinos conviveram com controles na compra e venda de moedas estrangeiras, além de altas tarifas sobre importação, numa tentativa de conter a saída de reservas por parte de investidores desconfiados com a falta de transparência em indicadores, como o da inflação, e com a forte intervenção do Estado na economia. (Colaborou Eliane Oliveira)

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