Aide Memoire N° 1773 | 30 de outubro
- Por: Juliane
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CARLOS GERALDO LANGONI
A VOLTA DA INFLAÇÃO
A nova onda da pandemia na Europa e Estados Unidos elevou a aversão global ao risco.
Essas renovadas tensões reforçam o viés de desvalorização cambial, com o dólar voltando a aproximar-se do patamar emblemático de 6 reais.
Cenários:
Os ativos de risco são penalizados com o aumento da volatilidade do Ibovespa, apesar da safra de bons balanços corporativos com destaque para o setor bancário.
O novo desafio é a inflação, com o descolamento entre o IPCA e o IGP-M.
O ano deve se encerrar com preços ao consumidor na faixa de 3%, enquanto o índice geral deve ficar acima de 20%. Somente em outubro, o IGP-M apresentou alta de 3,23%.
É situação incomum que reflete o aquecimento da demanda por commodities , amplificada pelo overshooting cambial.
Dessa forma, o diferencial entre produtos comercializáveis e não comercializáveis está na raiz do desconforto inflacionário.
Questão em aberto é a duração desse hiato: com o reaquecimento da atividade interna, a tendência é de alta moderada no preço dos serviços.
É razoável também esperar reajuste mais expressivo de tarifas públicas, adiado em função do coronavírus.
Resta saber a extensão do ciclo das commodities que depende, crucialmente, do novo estágio de crescimento da China.
COPOM:
A manutenção da SELIC em 2% sugere que o BC ainda aposta em cenário benigno, onde as expectativas inflacionárias não serão contaminadas.
Pesou, também, a fragilidade do mercado de trabalho: apesar da melhora contínua na criação de empregos com carteira (330 mil em setembro), a informalidade mantém-se elevada, atingindo 38% da população ocupada no trimestre encerrado em agosto de acordo com a PNAD Contínua. Por outro lado, a taxa de desocupação (14,4%) mantém tendência de forte alta.
O boletim Focus trabalha com essa visão otimista de convergência dos índices de preço, com alta apenas moderada nos próximos anos - respeitado o teto oficial de 3,75% em 2021.
Dessa forma, haveria margem de manobra para manter o viés expansionista da política monetária – instrumento-chave para a saída mais rápida do mergulho recessivo.
A Sondagem Industrial da FGV aponta para retomada moderada. Por outro lado, no setor Serviços, houve queda da confiança em outubro, refletindo o aumento da incerteza.
Para esse cenário inflacionário ainda confortável tornar-se realidade, será necessário o enfrentamento dos desequilíbrios nas contas públicas, marcados pela tendência explosiva da relação dívida pública / PIB.
Nesse sentido, o impasse político em relação à tramitação da agenda de reformas e sua aprovação no Congresso alimenta a onda de incertezas e pode colocar em xeque a atual estratégia do Banco Central.
A fragilização da âncora fiscal teria impacto imediato sobre o câmbio, afetando negativamente as expectativas inflacionárias.
A estratégia de ajuste gradual dos juros básicos ficaria comprometida. O aperto monetário poderia interromper ou mesmo inviabilizar a retomada.
Ou seja, a ameaça de aceleração inflacionária obriga o Governo a redobrar sua aposta na rápida reconstrução da arquitetura fiscal. Qualquer falha terá elevado custo econômico, social e político.
Em resumo, a 2ª onda da pandemia na Europa e Estados Unidos eleva o nível de incerteza global, apesar de sinais de recuperação assimétrica da economia mundial.
No caso brasileiro, as tensões internas que ameaçam a governabilidade foram ampliadas por renovadas pressões inflacionárias.
Esse novo desafio pode ameaçar a continuidade da política de juros baixos praticada pelo BC, tornando ainda mais prioritário o ajuste fiscal.